Prémio Especial Maria José Macedo - Produtor/Fornecedor 2022 - Jorge Raiado

Mesa Marcada

“O sal, que sai das nossas salinas, não sofre qualquer lavagem ou adição química. Está pronto a ser consumido”

 

Na edição de 2022 dos Prémios Mesa Marcada, o Prémio Especial Maria José Macedo - Produtor/Fornecedor 2022 é entregue em mãos, no dia 30 de janeiro, a Jorge Raiado, rosto da Salmarim, o homem que trocou a beleza da História de Arte pelo perfeição da flor de sal, em Castro Marim, no sotavento das terras algarvias.

 

Comecemos esta aventura por Maria José Macedo. Na década de 1980, a empresária troca a cosmopolita cidade de Paris pela encantadora vila de Azeitão, no concelho de Setúbal. Aqui, deixa-se conquistar pelo quão maravilhosa é a agricultura, sem devaneios e sempre atenta às adversidades do clima. Pelo contrário, com força de vontade de ir mais além. 
Pioneira da agricultura biológica em Portugal, transformou a Quinta do Poial num lugar onde tudo nasce a partir da terra. Um hectare e meio de terreno, que fez tornar-se fértil e berço de uma imensidão de produtos quase inexistentes do léxico da Língua Portuguesa. Tudo foi feito em nome da sustentabilidade social e ambiental. Tudo continua a ser feito em nome desse chavão, que se quer cada vez mais respeitado e sem segundas intenções.


Pelo caminho, chefs portugueses e estrangeiros radicados em Portugal proferiam o nome Maria José Macedo pelo “passa a palavra”. Ainda hoje, sete anos após o seu desaparecimento, o seu trabalho continua literalmente a dar frutos, pelas mãos da filha, Joana Macedo – ou Joana Sarrazy, como é conhecida no mundo da sétima arte –, que adoptou a Quinta do Poial como uma filha do coração, preservando o percurso da mãe, neste universo agrícola subordinado ao biológico, ao sustentável.

Face a este trabalho realizado, com afinco, por uma mulher que muito mostrou quanto vale sê-lo, enquanto ser humano, e pelo respeito demonstrado em relação às gerações vindouras, através do esmero com que cuidou – e se continua a cuidar – a terra da Quinta do Poial, sem interferências nocivas no ecossistema, o Mesa Marcada, há muito merecedor do reconhecimento no que ao universo evolutivo da cozinha diz respeito, criou o Prémio Especial Maria José Macedo.
Este é, agora, conquistado por Jorge Raiado, considerado o Produtor/Fornecedor do ano de 2022, pelo trabalho que tem vindo a realizar no mundo do sal, em particular da flor de sal, e a mostrar quanto vale a superação dos obstáculos e expectativas, através da extração de um produto diferenciador até então pouco ou nada falado.

 

“Maria José foi pioneira e teve adversidades, que eu já encontrei superadas”

 

A salina do Moinho das Meias, na Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António torna-se, assim, a “menina dos seus olhos”.
Por meio de uma técnica ancestral, dependente de três factores: sol, vento e maré.
Com a paciência na dose certa e o vagar a equilibrar o tempo de espera na altura devida do ano, Jorge Raiado revolucionou o mercado do sal, com a implementação da flor de sal na alimentação, para enaltecer o sabor dos alimentos. 

Esta mudança acontece depois de 2007, ano em que aceita o desafio de ficar com a salina de um hectare do pai de sua mulher, Sandra Madeira, sucedendo-se a investigação, com o apoio da Universidade do Algarve. 
Neste contexto, Jorge Raiado reforça o trabalho de Maria José Macedo no que à sustentabilidade diz respeito: “Maria José foi pioneira e teve adversidades, que eu já encontrei superadas. A extração artesanal do sal já era certificada quando comecei e, actualmente, há uma proposta a nível de comunidade europeia para esta ser entendida como “bio”, além de Castro Marim estar com pedido de denominação de origem.” A Salmarim também já optou, desde a última safra, “por uma certificação orgânica, mais preocupada com a origem e o produto final”, a OF&G (Organic Farmers & Growers).
Tudo é feito em prol do ambiente, porque “se abandonarmos a produção de sal em salinas tradicionais pomos em perigo um ecossistema e a própria subsistência da Reserva Natural [do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António], ou seja, quando alguém compra flor de sal ou sal artesanal, indiferente da origem, está a ajudar a preservar um ecossistema irreplicável e que implica cada vez mais com a economia de uma região”. 
Afora o ambiente, importa considerar a dupla indissociável económica e social do local, da região. “Mais do que sal, são produtos associados e com indicação da origem e mesmo do produtor, além do factor turístico, que atrai inúmeros visitantes e que a Salmarim tem o prazer de receber, sempre de forma controlada e individualizada, captando a atenção para a salvaguarda de tão delicado espaço e do bom uso do sal na gastronomia e na saúde.” 

A sustentabilidade cultural é igualmente realçada neste alinhamento, “quer pela divulgação da actividade do sal, quer através de participação em residências de artistas na salina, em parceria com projectos, como os BeeKeepers. Acima de tudo, evitamos a massificação do projecto. A sua sustentabilidade é a cariz humana, criativa, conectada com um terroir, que, se abusarmos, destruirmos, e pela transmissão de uma responsabilidade ambiental dos consumidores.”

 

“O sal, que sai das nossas salinas, não sofre qualquer lavagem ou adição química. Está pronto a ser consumido”

 

Sobre o produto, Jorge Raiado afirma que tanto a flor de sal, como o sal artesanal “são saudáveis” e “o seu processo é em todo semelhante à produção biológica. Essa é uma das discussões. Para ser bio ou orgânico entende-se que o produto deve ter um ciclo, desde a terra à colheita do sal”. 

Quanto à extracção da matéria-prima, eis a explicação: “Apenas abrimos as comportas e deixamos a água do mar circular de tanque em tanque, aumentando a concentração, até chegar aos pequenos cristalizadores, onde o sal se forma e é colhido manualmente, sendo o sal grosso tradicional, por se recorrer a processos centenários, e a flor de sal, por ser um processo também ele manual.
Não semeamos. Apenas conduzimos as águas e colhemos o produto do mar”. A pureza da água das marés é preocupação maior durante a colheita, assim como o processo de evaporação e da própria extracção. “O sal, que sai das nossas salinas, não sofre qualquer lavagem ou adição química.
Está pronto a ser consumido”, garante. “É como um tomate quando é colhido, pode-se comer sem lavar, desde que o processo seja natural”, compara, acrescentando “a enorme perseverança, que, às vezes, na busca da perfeição nos faz pensar se vale a pena continuar”.

O certo é que Jorge Raiado prossegue os seus trabalhos nas suas salinas, cuja recuperação está em fase de conclusão. O turismo é outra das apostas da Salmarim, “mas sempre de cariz individual”, sem recorrer à massificação, no sentido de preservar o ecossistema da Reserva Natural do Sapal de Castro Marim e Vila Real de Santo António, e porque esta última em nada tem a ver com a filosofia de Jorge Raiado.
Os projectos de consultoria ligados ao sal, “como já antes fizemos em Moçambique e Angola” continuam.
A estes, o proprietário da Salmarim pondera a criação de “uma rede informal, para consciencializar o consumidor da sua responsabilidade social na salvaguarda destes ecossistemas tão delicados, onde a natureza, todos os dias, nos ensina proporciona uma lição nova”.
Por essa razão, Jorge Raiado quer alargar o portefólio da Salmarim, que, desde o começo, tem desafiado designers e ilustradores, entre outras áreas das artes, a dar forma e contribuir com os seus estilos e traço nas embalagens.
Este ano, o mentor da Salmarim procura “ir mais longe no design”. A clara vontade de conquistar um prémio de design advém do quão imperativa é a valorização do sal, “que, infelizmente, continua a ser visto, pela maioria dos consumidores, como um produto barato e de massas.
Queremos inverter essa postura!”
 

A entrevista para este artigo foi conduzida por Patrícia Serrado, editora da Mutante Magazine.